sexta-feira, 8 de junho de 2012

Recaída

Uma das palavras mais temidas quando falamos sobre dependência química é a RECAÍDA.
De acordo com nossa experiência, estudo acadêmico e especialização que tivemos durante muitos anos neste âmbito, acreditamos que esta é uma doença biopsicossocial, que afeta a vida do indivíduo física, psicológica e socialmente.
A abordagem de todos os tratamentos para a dependência química deve estar sempre calcada em um trabalho psicológico para que ele possa manter a sobriedade e ter a consciência de que se deve ter um “cuidado” para a vida toda, visto que não existe cura definitiva para quem se tornou dependente.
O processo de prevenção a recaída é um trabalho de reeducação dos comportamentos para que o dependente químico nunca faça novamente o primeiro uso da droga, pois basta apenas “um gole”, uma simples “tragada” para que ele recaia totalmente e volte à ativa, da mesma forma que antes. Ainda que recomece o uso com doses menores a tendência é voltar ao mesmo padrão de consumo anterior ao tratamento (ou até mais intenso) uma vez que a dependência química á uma doença progressiva e o corpo e o cérebro irão sempre solicitar quantidades maiores para que se tenha o mesmo prazer.
Como então vencer o risco da “recaída”?
O dependente químico que passa por um tratamento sério e bem estruturado passa por várias abordagens terapêuticas obtendo várias experiências – o que o leva a um desenvolvimento psicológico para vencer as drogas, ocorrendo uma mudança sistemática de comportamento e conhecimento sobre a sua doença.

É muito comum vermos pessoas que passam por tratamento relacionado à dependência química (e que muitas vezes ficam muitos anos limpos) voltarem ao consumo de drogas – por que isto acontece?
Primeiramente, as recaídas devem ser vista também como parte do processo da dependência química, desta forma, não há necessidade de desesperança nem dos que são dependentes químicos ou mesmo dos familiares.
As recaídas são a pratica do confronto entre a realidade da vida com a realidade da dependência particular de cada um. O resultado está certamente no que quer o dependente para sua vida já de posse de todo conhecimento e estrutura psicológica existente em seu consciente.
Muitas vezes as recaídas ocorrem pela falta de observação dos sinais de risco, por comportamentos inadequados, pelo tratamento inadequado ou incompleto, pelo não envolvimento da família no tratamento, enfim diversos motivos podem levar ao processo de recaída.
Recomendamos algumas ações para que se evite então esta experiência tão dolorosa:
1- Voltar ao controle dos comportamentos e emoções
Após uma recaída, deve-se retomar o controle de suas emoções, memórias, julgamentos e comportamentos. É uma hora de extrema crise para o adicto e sua família. A recaída “quebrou” a sua vida. É normal que a pessoa se sinta desapontada e cheia de culpas. O adicto necessita de ajuda e precisa se voltar para pessoas em quem confie e que podem ajudá-lo a retomar os passos necessários para estabelecer sua sobriedade.
Se o dependente químico estiver incapaz naquele momento de manter consistência entre suas emoções e comportamentos deve então buscar um centro de tratamento com ajuda profissional para conseguir se estabilizar novamente.  Com acompanhamento profissional ele conseguirá retomar sua vida de forma mais rápida, pois este indivíduo já sentiu que é possível se manter abstinente, já provou os prazeres da abstinência – precisa apenas retomar o processo.
Por isto, é de extrema importância que o dependente químico não esteja isolado, quer seja com a ajuda de um profissional ou de grupos anônimos, ele precisa de alguém (em quem confia) que o ajude a sinalizar e evitar  atitudes que podem levá-lo a recaídas e ao consumo de substâncias.
Sem nenhum acompanhamento profissional dificilmente ele conseguirá retomar os comportamentos corretos, após um processo de recaída.
Sempre explicamos que o processo de recaída antecede muito o consumo de drogas, geralmente o dependente químico recai nos comportamentos errados muito antes de recair no consumo de drogas – este se torna apenas conseqüência de todo o processo anterior.
2. Fazer uma auto-avaliação
A segunda etapa seria descobrir e avaliar o que ocasionou a recaída. Isto é feito revisando o histórico do uso de substâncias, assim como os sinais de aviso específicos e sintomas que ocorrem durante tentativas de conseguir abstinência.
Esta informação fornecerá indicativos do que foi feito errado e o que pode ser feito diferente para melhorar suas chances de sobriedade permanente. Lembre-se que seu passado é seu melhor mestre. Se você falhar em aprender com seu passado, você está fatalmente fadado a repeti-lo.
3. Educação
Para prevenir a recaída é preciso entender como ocorre – quanto mais informações você possuir sobre a adicção, recuperação e recaída, mais ferramentas você terá para manter sobriedade.
É necessário entender o que lhe põe em alto risco, o que pode acionar a recaída e o que se precisa fazer para preveni-la.
Lembre-se, o programa de educação não está completo ate que o adicto seja capaz de aplicar honestamente a informação que aprendeu da própria vida e das atuais circunstancias da mesma. Adicção é a doença da negação e isto pode impedi-lo de reconhecer o que acontece realmente.
4. Identificação dos sinais de aviso
Entender quais os fatores de risco, o que promoveu esta recaída, quais foram os gatilhos e comportamentos que levaram a este processo.
Toda pessoa tem um conjunto pessoal e único de sinais que indicam que o processo de recaída está acontecendo. Estes são sinais para o próprio dependente e para os outros de que um processo de recaída está acontecendo.
Estes sinais podem ser problemas de saúde, problemas de pensamento, problemas emocionais, de memória ou de julgamento e comportamento adequado. E preciso desenvolver uma lista de sinais de aviso pessoais ou de indicações de que pode estar em perigo. A lista de avisos deve ser desenvolvida de experiências das recaídas passadas.
É necessário então eliminar os fatores de risco e aumentar os fatores de proteção.
5. Administração dos sinais de aviso
É preciso ter planos concretos para prevenir e parar os sinais de aviso da recaída.
Cada sinal de aviso na verdade é um problema que você precisa prevenir ou resolver. Se você quer evitar um problema, precisa revisar cada sinal de aviso e responder a questão: Como posso evitar que este problema aconteça?
É essencial que se estabeleçam novas respostas para identificar sinais de aviso de recaída. Determinar o que irá fazer quando reconhecer que um sinal de aviso está acontecendo em sua vida. Que ação positiva pode se tomar que remover o sinal de recaída?
Listar várias alternativas lhe dará mais oportunidades de escolher a solução e ter alternativas caso a primeira escolha não funcionar. Escolha uma opção razoável que pareça oferecer a melhor possibilidade de interromper o processo de recaída. Esta será a resposta nova quando perceber um sinal de recaída em particular.
Pratique cada nova resposta até se tornar um hábito. Se a nova resposta estiver disponível para na hora de stress alto, haverá a necessidade de praticá-lo na hora em que o stress estiver baixo.
Pratique e pratique até que a resposta torne-se um hábito. Se a resposta nova falhar para interromper o sinal de aviso, estabeleça um plano novo mais efetivo.
Se não se possuir um plano, não será capaz de interromper estes sinais, quando ocorrerem.
6. Treinamento do inventário
Uma das estratégias simples e comumente utilizadas pelos grupos anônimos (que se baseiam na filosofia dos 12 passos) é o inventário diário – o chamado de 10º passo, que monitora os sinais de aviso de uma recaída em potencial.
O 10o. Passo do A.A. lembra-nos que devemos continuar a fazer um inventário pessoal e quando estivermos errados admitir prontamente. Um inventário diário é necessário para ajudar a identificar os sinais de aviso de recaída antes de a negação ser reativada. Qualquer sinal de recaída pode ser o primeiro passo para voltar a beber ou ter um colapso emocional e físico. Sem um inventario diário o adicto irá ignorar os sinais iniciais e então não será incapaz de interromper a síndrome da recaída quando esta se tornar mais aparente.
Desenvolva uma maneira para incorporar este sistema de inventário na vida no seu dia-a-dia – recomendamos que se estabeleça um ritual.
Este ritual de inventário pode ser feito a noite, sempre antes de dormir, por escrito. Reveja as tarefas do dia, identifique o que você manuseou bem e o que precisa melhorar!
Que forças você utilizou para enfrentar os desafios do dia? Como você pode reforçar e aumentar sua força? Que fraqueza ficou aparente e como você pode corrigir os defeitos e melhorar nestas áreas?
Olhe cuidadosamente na sua lista de sinais de recaída pessoal. Alguns deles estão presentes em sua vida? O que você esta fazendo para corrigir estas situações? Existem outros sinais de aviso que podem ser acrescentados a sua lista?
Este diário será útil para que você reveja seu progresso na recuperação e para acompanhar os sinais de recaída. Isto ajudará a ver que você se está fazendo progressos na sua recuperação.
Apenas saber quais são os seus sinais de aviso não irão necessariamente lhe ajudar. Lembre-se que os sinais de recaída se desenvolvem inconscientemente. Você não sabe que eles estão acontecendo.
O inventário juntamente com a administração dos sinais de aviso serão capazes de interromper o processo de recaída.
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Por fim, recomendamos que as famílias de dependentes químicos não entrem em crises quando se depararem com recaídas – mas sim tenham a certeza que estas voltas às drogas ou bebidas compulsivas podem ser instantâneas e rápidas – desde que se busque ajuda rapidamente, o que é fundamental para que o dependente químico mantenha a sobriedade. Não deixe que a vergonha, raiva, culpa lhe domine – simplesmente busque ajuda!
Um dependente químico que almeja a sobriedade e a busca, jamais aceita naturalmente os momentos de recaídas instantâneas, pois ele sofre – e assim, de posse do que sabe, constrói mecanismos próprios para restabelecer a sobriedade novamente.
É neste sentindo que dizemos que o processo de recuperação é lento, pois para alguns é através de algumas recaídas e o conhecimento adquirido (somando-se ao desejo de vencer as drogas) que muitos conseguem deixá-la definitivamente.

Fábio Orlando Storti
Psicoterapeuta
Clinicas Despertando Viva a Vida

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